Resumo do texto
O racismo no futebol foi tema de painel no World Football Summit 2020 (WFS- Live);
Daniel Alves e Grafite relembram o preconceito que enfrentaram dentro de campo;
Esse é o momento certo de falar sobre racismo e outros preconceitos dentro e fora de campo, não é possível esperar que mais coisas ruins aconteçam para se falar do tema;
Clubes e jogadores precisam começar a ter voz, não somente os renomados, para que o futebol entre de verdade na luta contra essas questões e que as punições sejam realmente rígidas.
Infelizmente não é coisa do passado, a narrativa sobre a luta contra o racismo e diversos outros tipos de preconceitos está mais viva do que nunca. O futebol, uma das maiores paixões nacionais, já se deparou diversas vezes com cenas de discriminação e hostilidade. É necessário que clubes, atletas e sociedade tratem o tema de forma incisiva e deem a devida importância.
No evento internacional World Football Summit (WFS), o assunto foi debatido pelos craques Daniel Alves, jogador da seleção Brasileira e do São Paulo, Grafite (Edinaldo Libânio), ex-jogador e comentarista do SporTV e a jornalista Glenda Kozlowski como mediadora.
Daniel Alves foi alvo de racismo em 2014, quando jogava pelo Barcelona na Espanha, onde a torcida adversária jogou bananas no estádio. Ele, como resposta, comeu uma das frutas.
Já Grafite, passou por um episódio de preconceito em campo quando jogava pelo São Paulo, no ano de 2005 no Morumbi. O jogador Desábato, na época do Quilmes, deferiu palavrões à Grafite ainda no primeiro tempo.
Episódios como esses demonstram que a luta pelo fim do preconceito se estende durante anos na história do futebol e precisa de vozes para que isso mude e todos tenham o devido respeito, aliás, futebol antes de tudo é diversão, alegria e família, palavras que não combinam com preconceito.
O futebol precisa discutir o racismo
Com toda a exposição e a união no caso de George Floyd, morto nos Estados Unidos depois que um policial o asfixiou ajoelhando sobre o pescoço, abriu-se uma “janela” para o assunto que não tem mais como ser fechado, segundo Grafite. O que se discute há muitos anos, com os líderes negros do passado, é que estamos vivenciando novamente esse debate sobre discriminação. Esse momento não pode passar.
Grafite também alerta para a continuidade e veracidade da discussão do tema, “com o assunto em diversos países e aqui no Brasil tão forte, acredito que estamos iguais, não estamos em desvantagem e a luta pelo racismo vai ser igual [...] e se essa janela for fechada novamente, é porque não tem jeito e todo trabalho feito no passado não valeu de nada, mas acredito que não será assim”.
Já Daniel Alves diz sentir falta de uma união de federações,que muitas vezes só pensam nelas e em benefícios próprios e não em quem as representa. “Teria que parar de ver o futebol como forma de monetização pessoal” e lembrar que o futebol é educador e transformador, mas as pessoas utilizam de forma errada, comenta.
Os jogadores de futebol como vozes da causa
Os atletas acreditam que ainda existe uma dificuldade em se posicionarem e tomar frente em debates contra o preconceito, ainda mais quando ele é um iniciante na carreira de atleta. Grafite diz que o jogador é cobrado dentro de campo quando vai mal e pode sofrer represálias por estar defendendo outras causas que “não sejam de interesse do clube”.
Para jogadores consagrados e que possuem uma história no futebol, se posicionar é mais fácil, na opinião de Grafite. “Hoje eu tenho uma condição mais fácil de me afirmar, de tomar frente em uma causa, mas lá no começo da minha carreira no São Paulo (em 2005) quando eu sofri o racismo, eu não tinha o protagonismo e autonomia que eu tenho hoje”, comenta.
E se posicionar no futebol muitas vezes pode ser entendido como um posicionamento do clube, mas Daniel ressalta: “as pessoas estão se esquecendo que antes do jogador, antes do atleta profissional, são seres humanos [...] acho que deveríamos nos posicionar como humanos e não como jogadores de futebol, como piloto de Fórmula 1, jogador de basquete, esportista no geral.”
A maioria da sociedade precisou esperar que um ato de racismo acontecesse em outro país para que a causa ganhasse voz. É preciso que isso seja uma luta diária a esse enfrentamento. Segundo Daniel, muitas pessoas fazem ações pensando na quantidade de likes e “não se colocam de corpo e alma, porque quem faz dessa maneira, não tem medo de represália”, diz.
Na opinião de Grafite, o que dificulta muito a discussão de assuntos mais sérios no futebol é a política que envolve o esporte e dificulta a união dos atletas. Isso complica o posicionamento fora de campo, além do egoísmo por parte das pessoas em não se unirem pelas causas. “O engajamento contra o racismo e outros movimentos aqui no Brasil é muito momentâneo, não tem engajamento constante A gente pensa no nosso umbigo”, enfatiza.
O caso de racismo contra Daniel em 2005 ganhou o mundo, mas segundo ele, esses tipos de ataques vinham acontecendo, mesmo após ele reclamar, “Precisou aparecer na TV para as pessoas se posicionarem”. Na opinião de Daniel, o ser humano ainda não evoluiu, já que estamos falando de racismo de novo, por isso é tão importante fortalecer essa causa no futebol e fora dele.
A importância da união para debater o assunto
Muitos atletas não saem em defesa de uma causa por medo de estarem sozinhos, de outros não apoiarem, e ao mesmo tempo perdem a chance de que milhares de pessoas ouçam um conselho da pessoa que admira e faria a diferença.
Por essas e outras questões é que se faz tão importante as pessoas se unirem e apoiarem as causas, principalmente com o exemplo acima, com o clube, dirigentes, políticos, dentre outros.
Como Daniel lembra, é preciso que exista uma conscientização generalizada, não esperar que aconteça algo lá fora para que aqui seja discutido o assunto, ou ver que outros países estão engajados e o Brasil não.
E para que isso seja um princípio de mudanças reais, Grafite aconselha que negros busquem se capacitar, porque as coisas realmente começarão a dar certo quando mais negros estiverem no comando. Isso ainda é raro ver, já que viemos de uma sociedade em que brancos normalmente ocupam altos cargos “enquanto o negro sofre para se capacitar”, comenta.
Também é esperado que os clubes se tornem mais ativistas e mostrem exemplos com punições mais severas para todo tipo de preconceito. O clube é a segunda escola da criança, diz Grafite, é um aprendizado muito grande. Por isso é tão importante o ativismo e ele se torna “sinônimo de sucesso dentro e fora de campo”, completa.
Há uma necessidade de mudança de postura no futebol. Não há espaço para qualquer tipo de racismo ou preconceito. A torcida brasileira certamente espera que clubes e atletas possam entrar de cabeça nessa luta contra o ódio, que é a base de qualquer discriminação e o apoio de uma sociedade como um todo.
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